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Novo estudo contribui para incerteza do uso de betabloqueadores em casos de insuficiência cardíaca com fibrilação atrial.

Uma nova análise post hoc revela que os betabloqueadores reduzem o risco de mortalidade por todas as causas, mas não o risco de hospitalização nos pacientes com insuficiência cardíaca e fibrilação atrial. [1]

Os resultados contradizem uma controversa meta-análise de 2014 que mostrou não haver benefícios em termos de sobrevida com o uso de betabloqueadores para os pacientes com insuficiência cardíaca e fibrilação atrial, e recomendou que estes não sejam mais utilizados como um dos pilares terapêuticos para este subgrupo pacientes com insuficiência cardíaca.

“O importante é que o nosso estudo reforça a noção de que ainda é cedo para descartar completamente os potenciais benefícios dos betabloqueadores nos pacientes com fibrilação atrial e insuficiência cardíaca, com base nessa única meta-análise”, disse o pesquisador sênior Dr. Paul Khairy (Montreal Heart Institute, Quebec) para o Medscape.

Ele disse ainda; “acho que as pessoas lutaram contra esses resultados, não tanto por causa do desenho do estudo, mas porque a fisiologia que ampara esta hipótese é fraca. É difícil entender por quê, do ponto de vista fisiopatológico, os betabloqueadores não teriam bons resultados na sobrevida de pacientes com fibrilação atrial”.

“Eu não acho que os dois estudos sejam comparáveis”, afirmou o Dr. Dipak Kotecha (University of Birmingham, Reino Unido), pesquisador responsável pela meta-análise, em comentário para o Medscape.

Ele observou que a meta-análise se fundamentou em dados individuais de pacientes de ensaios controlados randomizados, enquanto o novo estudo é uma análise post hoc baseada em “dados essencialmente observacionais” do estudo Atrial Fibrillation-Congestive Heart Failure (AF-CHF), no qual os pacientes foram randomizados para controlar a fibrilação atrial pela frequência cardíaca (velocidade) vs. controle do ritmo, mas não para os betabloqueadores em si. Em um esforço para parear os dois grupos, ele também se baseou nos escores de propensão por pareamento, uma técnica de ajuste importuna ao analisar os desfechos terapêuticos.

“Ele acrescentou: “Como a medicina é uma profissão de cunho científico, precisamos voltar ao que aprendemos na faculdade, que foi que o ensaio clínico randomizado é sagrado e todos esses tipos de análises são geradoras de hipóteses”, acrescentou.

Coorte Atrial Fibrillation-Congestive Heart Failure

Para a análise post-hoc, os pesquisadores, liderados pela Dra. Julia Cadrin-Tourigny (Montreal Heart Institute), analisaram dados de 1.376 pacientes (média de idade: 70 anos; 81% do sexo masculino) randomizados no ensaio clínico Atrial Fibrillation-Congestive Heart Failure. No total, 291 pacientes não recebiam betabloqueadores no início do estudo, desses, 229 foram avaliados por escores de pareamento por propensão a um máximo de dois pacientes expostos (n = 426), usando 28 variáveis iniciais.

Durante uma mediana de 37 meses de acompanhamento os betabloqueadores foram associados a uma redução de 28% da mortalidade por todas as causas, mas não reduziram a mortalidade cardiovascular nem as internações hospitalares nas coortes pareadas por propensão. Os modelos de análises de sensibilidade que usaram os betabloqueadores como covariável dependente do tempo confirmaram os resultados (mortalidade por todas as causas hazard ratio 0,668; IC de 95% de 0,511 a 0,874; P = 0,0032).

Desfechos nas coortes pareadas por propensão

Desfecho Sem betabloqueadores (n = 229) Betabloqueadores (n = 426) Hazard Ratio(intervalo de confiança de 95%) P

Todas as causas de morte 41,5% 31,2% 0,721 (0,549 a 0,945) 0,018

Mortalidade cardiovascular 31,4% 25,6% 0,763 (0,562 a 1,037) 0,083

Internação por todas as causas 65,4% 63,6% 0,886 (0,715 a 1,100) 0,273

Internação cardiovascular 52,2% 51,5% 0,914 (0,721 a 1,158) 0,455

Internação por piora da insuficiência cardíaca 27,1% 24,7% 0,894 (0,659 a 1,214) 0,474

A ausência de benefícios dos betabloqueadores na incidência das internações hospitalares provavelmente foi influenciada pelo protocolo do ensaio Atrial Fibrillation-Congestive Heart Failure, no qual foram realizadas tentativas agressivas de manter os pacientes com um ritmo cardíaco normal quando randomizados para o controle do ritmo, segundo Dr. Khairy.

Dr. Kotecha ofereceu uma explicação alternativa: “Talvez eles não tenham identificado essa consistência nos resultados porque tudo se deve à confusão sobre a mortalidade”.

Dr. Khairy e colaboradores tentaram conciliar as conclusões gerais com as da meta-análise, teorizando que talvez Dr. Kotecha tenha identificado um subgrupo de pacientes com uma forma mais permanente de fibrilação atrial, usando apenas o eletrocardiograma (ECG) feito ao início do estudo como referência, que se tornou uma crítica recorrente da análise.

“Pensávamos que os pacientes com menos fibrilação atrial teriam mais benefícios dos betabloqueadores e aqueles com mais fibrilação atrial se assemelhariam à população do estudo do Dr. Kotecha, e teriam menos benefícios, mas isto não foi, de fato, o que encontramos. Mesmo entre aqueles com maior nível de fibrilação atrial houve forte redução da mortalidade”, afirmou Dr. Khairy.

Fatores de confusão

O Dr. Dhiraj Gupta (Liverpool Heart and Chest Hospital, Reino Unido), que não participou de nenhum dos estudos, declarou ao Medscape:

“Vamos esclarecer o seguinte: o estudo é falho, assim como a meta-análise. Este estudo é falho pela simples razão de que, no início, os pacientes que não estavam recebendo betabloqueadores ao iniciar o estudo foram os que tiveramos piores prognósticos em vários aspectos”.

Por exemplo, eles tiveram menores índices de anticoagulação oral e complexos QRS mais alargados, sendo que ambos são fortes preditores de mortalidade. Além disso, 20% dos pacientes não estavam recebendo betabloqueadores por intolerância (presumivelmente por hipotensão) e a causa mais importante de hipotensão nesses pacientes costuma ser a precariedade das frações de ejeção deles.

Para ser justo, o Dr. Gupta observou que os pesquisadores reconhecem as diferenças iniciais entre os pacientes recebendo ou não betabloqueadores, e tentaram abordar a questão por meio do pareamento por propensão, mas “por mais pareamento por propensão que se faça, é provável que você acabe com uma população mais doente do que a que está usando para fazer a correspondência “.

Influência na prática clínica

Em relação a como a discordância dos resultados deixa os médicos em atividade, Dr. Gupta disse que, assim como em muitos casos, é preciso ter mais dados. Ele observou que, apesar do controverso artigo do Dr. Kotecha ter sido publicado em um periódico de grande alcance “felizmente a prática clínica continuou sendo mais ou menos a mesma, pelo fato de as diretrizes de insuficiência cardíaca terem permanecido inalteradas”. Os betabloqueadores ainda são o cerne do tratamento da insuficiência cardíaca, e as orientações não diferenciam os pacientes com ou sem fibrilação atrial.

No entanto, o que ele disse ter notado desde a publicação do estudo do Dr. Kotecha e do estudo PARADIGM-Heart Failure , no qual a administração de sacubitril associado a valsartana mostrou um enorme benefício de sobrevivência, é que muitos médicos estão começando a suspender os betabloqueadores e a, talvez, administrar valsartana em lugar deles, quando os pacientes apresentam pressão arterial limítrofe e fibrilação atrial.

“Me preocupo que esta seja uma área virgem, ainda sem levantamento de evidências, porque a valsartana no estudo PARADIGM foi muito pesquisada como adicional aos betabloqueadores; 93% dos pacientes no estudo recebiam betabloqueadores. Então não sabemos se este medicamento irá funcionar igualmente bem em substituição aos betabloqueadores”, acrescentou.

Os Drs. Jonathan Piccini (Duke University Medical Center, Durham, NC) e Larry A Allen (University of Colorado School of Medicine, Aurora) liberaram uma nota semelhante a respeito da prática em um editorial [2] acompanhando o estudo, na qual escreveram: “Até que haja mais dados, os médicos devem resistir a abandonar uma terapia comprovada para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida em pacientes que também têm fibrilação atrial. Não deem adeus aos betabloqueadores ainda”.

Eles sugerem que uma melhor fenotipagem e farmacogenética podem ter algum papel na adaptação terapêutica dos pacientes com insuficiência cardíaca e observam, por exemplo, que o bucindolol demonstrou reduzir o risco de aparecimento da fibrilação atrial em 74% dos pacientes com insuficiência cardíaca com o genótipo ß1389Arg/Arg, mas não fez nada para reduzir o risco dos portadores da ß1389Gly.

Dr. Kotecha afirmou que seu grupo está apenas começando a recrutar pacientes com fibrilação atrial de toda Birmingham para o estudo randomizado RATE-AF, que irá comparar bisoprolol digoxina como terapia inicial de controle da frequência cardíaca. A conclusão primária do estudo-piloto está programada para julho de 2018.

O estudo Atrial Fibrillation-Congestive Heart Failure foi financiado pelos Canadian Institutes of Health Research. Dr. Khairy e Dra. Cadrin-Tourigny declararam não possuirem conflitos de interesse relevantes ao tema. Declarações dos coautores estão listadas no artigo. Dr. Kotecha é apoiado pelo National Institute of Health Research; recebeu o apoio ao desenvolvimento profissional não financeiro da Daiichi Sankyo e bolsas de pesquisa da Menarini; e trabalhou na European Society of Cardiology Guideline Task Force. O Dr. Gupta declarou não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema. O Dr. Piccini informou concessão de financiamento para pesquisa clínica das empresas ARCA Biopharma, Boston Scientific, Gilead, Janssen Pharmaceuticals, ResMed, Spectranetics e St Jude Medical; e prestar consultoria para as empresas Allergan, Amgen, GlaxoSmithKline, Johnson & Johnson, Medtronic e Spectranetics. Allen tem prestado consultoria para Janssen, ZS Pharma, e Novartis.

Referências

Cadrin-Tourigny J, Shohoudi A, Roy D, et al. Decreased mortality with beta-blockers in patients with heart failure and coexisting atrial fibrillation. JACC: Heart Fail 2017; DOI:10.1016/j.jchf.2016.10.015. Artigo

Piccini JP and Allen LA. Heart failure complicated with atrial fibrillation: don’t bury the beta-blockers just yet. JACC: Heart Fail 2017; DOI:10.1016/j.jchf.2016.12.003. Editorial.

Patrice Wendling/17 de fevereiro de 2017.

Por ICTCor
em 5 de julho de 2022

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